Posts com tag “Meus mistérios – desvendados?

Dadinhos

.

Achei que era seu braço que se enlaçava no meu. Eu estava embaixo da mesa, brincando de não me esconder. De fingir que fujo. Para você não deixar. Me pede pra ficar. Me pede e eu vou dizer que não e, talvez, chore sentada no chão com as pernas encolhidas abraçada aos meus joelhos e, talvez, tente te afastar. Não deixe. Me segure firme para eu te [re]conhecer, saber quem você é e me permitir ser quem sou.

.


além das nuvens

.

Quase deixei mais da metade da pilha de louça suja por lavar para vir escrever. Bendito vício. Não por medo de esquecer, tenho uma memória, por vezes, maldita. Vim porque precisava dizer. Tenho urgências ansiosas. Ela não quer sempre ser a chata. Nem a forte. Nem a que não espera algo bom de alguém. Ela ouviu “você é minha consciência” e ficou feliz. Pois não fique, eu disse, não fique. De acordo com o “Menino de Ouro”, “deitamos mão ao que diz o povo e falamos sem pensar”. Ela questiona até os ditos populares. Eu digo a ela, é fuga. E ela me escuta? Não! E se propõe àquele papel, quando não pedem. Não pedem, mas ela ouve. Alertei, é loucura. Ninguém sabe o que ela sente. Nem mesmo eu. Vejo-a fazendo laços alheios e se perdendo em nós. Não posso gritar, nem te avisar, ela não deixa.

.


pior é que já

.

Era besteira, confesso. Era besteira o que eu estava pensando assim que parei de correr. A música me lembrou a arte de cozinhar e me deixei levar por alguns segundos. Quase ninguém sorri como você, você corre sorrindo. Não, não se assuste. Me desculpe chegar assim. Anda um pouco comigo? Eu sei, mas você me parece rápida e é nova. E ainda tem sol. Vem e eu me apresento propriamente. Não sei bem porque fui. Mal ele não iria me fazer. Era uma versão feminina da senhorinha do terço. Só que mais forte. Magrinho e forte. Com fôlego de ex militar. As plaquinhas penduradas no pescoço não negavam. Fora a dificuldade para levantar as pernas, andava quase arrastando-as, ainda tinha disposição. Meu filho vai gostar de você, tenho certeza. Não ria, não, não vá embora, é sério.  Não venho aqui caçar pelo meu filho, foi coincidência. Acredita em coincidências? Nessa hora, tantas lembranças se misturaram, que perdi o começo do caso que ele contava tão compenetrado. Só por isso ele não está aqui hoje. Essa fase da farra é de doer e não combina com ele. Certeza que chegará mais sozinho dessa viagem do que antes. Ele precisa de alguém que sorria como você e que dê atenção a velhos loucos na pista de cooper. Não gostava da minha ex nora, se é que posso chamar assim a ex namorada dele, uma interesseira metida arrogante fingida de marca maior. Conheço o tipo de longe. Claro que não durou muito. Ele nem sofreria, não por ela, mas ele ama amar. Até quem não deveria. Puxou isso de mim. Sim, eu me culpo por essa mania que ele tem de sofrer e perder seu tempo com quem não merece. Você não é casada, é?  Reparei que não usa aliança. Se bem que poderia vir correr sem ela, isso me veio à mente; fiquei na dúvida, pois está de brincos, mas imagino que eles não devam incomodar tanto quanto anéis. Eu não me afasto de minhas correntes, por mais barulhentas que sejam quando ando. É ou não? Casada, eu digo. O momento de espanto dele, que quase sempre me persegue, alguns o sabem. Estará aqui no final de semana que vem? Virei com ele, só para podermos te ver, se não se importar. Você é rara, menina, uma verdadeira fidalga, alguém já te disse isso?

.


Anagrama

.

Perto do meu colégio, havia uma “Clínica da Alergia”. Eu, criança afoita, li alegria e fiquei toda animadinha. Minha mãe – que deve ter tido muita vontade de rir da minha cara – me explicou significados e diferenças.

Fui para casa inconformada e decidida a não deixar uma letrinha fora do lugar me vencer. 

Há pouco tempo, a clínica fechou. No lugar dela, abriram um boteco bonito, convidativo. Eu, agora uma mulher feita, não fiquei triste. Este bar bem que pode ser a nova “Clínica da Alegria”. De um jeito ou de outro, ainda acredito.

.
Esse ‘conto’ tem uma versão alternativa, bem diferente e mais perversa. 

…quem sabe um dia…

.


da audácia da chuva. sem pressa do sol.

.

Se a dor do não vivido é mais amarga quando ainda se tem a chance, mas percebe-se que o momento passou e não há resgate que dê jeito, eu não sei. Sei do buraco que senti.

Teremos 90 anos e ainda a mesma cumplicidade. Foi o tempo do beijo que passou. O desejo se transformou, de tanto ficar guardado.

Difícil ter uma conversa dessas, ainda mais na fila do check in internacional. Difícil saber que nos encontraremos de novo só daqui a quinze dias. Sufocante lidar com o medo de que ele se afaste pela minha escolha do não. Água salgada nenhuma conseguiu reduzir a ansiedade: “como será quando ele voltar?” “será que o orgulho ferido fará com que nos percamos, de novo, um do outro?”.

Até quando a consciência pesada dessa fase cafinha vai me perseguir?

Notícias já vieram do além mar. Com elas, a esperança de que chegaremos, seja como for, até o fim. Com a provocação sadia que tanto nos alegra, nos irrita e nos faz falta.

.

nesse turbilhão, a descoberta
de amiga que me vende com amor
de amigo não “contável”
e da alergia à lágrima ácida
 .

Fui vendida por alguns chocolates suíços e duas taças de um bom vinho. Já nem me interessa saber se a da piscina vai colar lá ou não. De coincidências macabras aquele conjunto está cheio. A distância inclui show virado e convite culpado. Pior do que pedir ajuda é ser mal interpretada.

Tenho mania de manias e uma delas é me explicar demais. Pela irritação dos mal entendidos. Só que existe um limite. Certos desentendimentos não merecem nem a saliva gasta.

.

Medo de amar – Adriana Calcanhoto

.


Guaranteed: o início depois do fim

.

Dele me lembro do abraço quente. Do beijo que não deixei que me roubasse. Das flores criminosas. Da vulnerabilidade dividida. Da lealdade. Das mãos dadas. Da paixão sufocada. Da sensação de beber o vinho no gargalo, no meio da rua.

Dele me lembro dos desencontros. Das vontades intensas fora de hora. Dos sorrisos sem graça em companhias alheias ao nosso mundo.

Dele me lembrarei da surpresa de agora. Da descoberta do desejo ainda pulsante.

Da sintonia ainda viva: “Foi exatamente isso que eu pensei. Se não aproveitarmos essa sensação agora, não teremos outra chance, pelo menos, não nessa vida”

Dele sei que as lembranças com ele estão só começando a serem construídas.

.

Such is the way of the world…..
You can never know…..

.


Epifania

.

Se eu revelasse o assunto do email que gerou tudo isso, ninguém acreditaria.

A brincadeira foi ganhando forma aqui dentro. Não quis mais ficar só na cabeça. Tomou o corpo e quis sair. Com bem mais que uma mera pretensão de acontecer.

Seria uma experiência até simples. Mas só de imaginar fiquei desconcertada. Tem épocas – para não ser deselegante e dizer que é quase sempre – em que os desejos ficam à flor da pele. O que estou vivendo – mudanças, vontade incessante e incontrolável de experimentar e provocar, entrega, fantasias se tornando reais – contribuiu para a empolgação. E o destino certo, claro. Melhor do que a simplicidade da ideia é quase poder sentir o furor do alguém que vai receber.

A concentração no trabalho já estava perdida mesmo, então, fui embora para colocar a doideira em prática, antes que eu pensasse melhor e desistisse. Ou pior, antes que tivesse mais ideias como essa.

Enquanto me deliciava com o devaneio, em meio a cada vez mais desatinos, lembrei-me de algo que li ou ouvi, não sei ao certo onde:

“Just my own naked self and the stars breathing down, it’s beautiful.”

Deu tempo de desviar do caminho de casa. Fui para onde eu pudesse fazer tudo, exatamente como sonhei acordada. Queria fazer sozinha. Sem ajuda, sem plateia. O gostinho surpresa seria melhor.

“Existiam duas mulheres dentro de Lavínia. Uma usava um dedo de pintura e muita lascívia. Trepava de um jeito atrevido, como se estivesse punindo a outra, a Lavínia mansa, assustada com o mundo.” *

Não me contentei em capturar só o desfecho. Fui, já no carro, narrando tudo o que acontecia comigo. A descrição de certos detalhes é excitante.

“O detalhe é a alma de toda a fantasia. Qualquer detalhe, por mais inusitado ou pervertido que seja. Daí os fetiches. A particularidade do desejo. E um detalhe pode tornar-se muitas vezes mais excitante que a própria fantasia.” *

O calor só aumentava. Descrevi o lugar, a noite, o céu, meu corpo, as sensações. Meus pensamentos. As mãos. A grama molhada. A cadência da vontade. Crescente. E mais. E mais.

“Quem me contava isso era a Lavínia doida, não a puritana. Uma falava da outra na terceira pessoa. E eu adoeci daquela mulher. Contraí o vírus da sua insensatez.” *

Eu queria mais.

“Era intenso demais para ser só um jogo”. *

.

– Posso gritar?

– Pode. Grava e (me) manda.

– Ah, sem graça. Se for pra mandar, tem coisa melhor…

.

* trechos do livro
“Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”,
Marçal Aquino

.


Dilema do Prisioneiro

.

“Você sabe o que eu penso sobre você!”  (…) … não, não sei. Me diz?

o nosso mundo existe ou eu o criei sozinho?

Eu não preciso virar poema. Diz só pra mim.

Tem um pedaço lanhado, está sagrando ainda; ela mordeu, arrancou e levou. Eu escondo. Comprei um sapato novo, cortei o cabelo, passei batom. Mostro pra você, vem cá… viu como está feio? E ele? Ele foi embora e nem queria ir. Eu o sentia ainda comigo, mas a que vive aqui dentro de mim sabia que ele não estava mais e me contou…  e está doendo tanto… e eu não gosto de pedir… é que está tudo quente, tudo fincando, tudo tão maior e menos claro.

estou com medo que vire pedra. não deixa?

Eu não quero mais brincar de “adivinhar”. Sou péssima nisso e tem a culpa e está escuro.

eu estou aí? faço parte?

mesmo se eu vomitar um coelhinho?

mesmo se o Diabo não encher nossa taça?

mesmo depois que eu te disse que, apesar de muitas pessoas e turmas, poucos eu deixo entrar e que você eu deixei e que você é como se fosse uma parte de mim? eu te assustei?

quem não brinca de usar e maltratar e alfinetar e de cobrar vai pro balaio comum? é onde eu estou?

posso descansar um pouco? promete que o mundo não para?

se eu não gritar, você me ouve?

Eu confio. É que tem dias que tudo se esconde e eu sei que as coisas andam e são vivas… e eu fechei os olhos, tateei, agucei sentidos, esperei, depois busquei e procurei e continuei e me segurei… só que tudo sumiu… daí, eu senti um baque maior… e acho perdi tudo e sei que não me perdi… é que está tão difícil… e, dessa vez, eu não consegui encontrar sozinha… e eu não sinto nada aqui perto, tem tanto barulho, eu estou cansada, assustada e minhas mãos tremem e tem um vazio… e… me diz que não estou louca por continuar andando e por não sair e por não abandonar tudo e por não me afastar e por acreditar que o lugar é diferente mas que tudo [ainda] existe… me ajuda … me diz? … chega mais perto?

eu sei das portas e cadeados e caduques e da ausência e do medo e da descrença e das muitas pessoas e das distrações e da reclusão e dos novos brinquedos … e eu quero… me deixa entrar?

.

Quero Quero – Cláudio Nucci

.


“I’m about to lose my worried mind” *

.

Sem descanso entre stiff, remada aberta e rosca, com um corrigindo minha postura e o outro me contando sobre a briga com a namorada na noite anterior. Até que ele pediu minha opinião. E eu dei, oras. “Sempre achei sua expressão tão doce, sua voz tão suave…. achei que você fosse mais…” Mais muro baixo?, perguntei. Ele ficou parado, um tempo me olhando, perplexo. Até que: “Repete. Quero anotar”.

O sábado foi com pinga e cachaça, brincando com a ideia da pimenta no nome. Turma reunida para consolar um amigo que terminou o noivado. Ele justificava que, ao ouvir de todos que era muito exigente, decidiu investir nessa relação e ser mais maleável. Aceitou, aceitou. Até ser bobo. Não soube achar o meio termo. Estava desconsolado achando que, difícil de se contentar como era, iria acabar sozinho. Alguém que me conhece muito o consola: “Fica assim não. A Menina é, pelo menos, umas três vezes mais exigente que você. E ela se apaixonou. Ela arrumou alguém. Se acontece com ela, vai acontecer com você também. Fique tranquilo!”. E só isso o acalmou.

Ele chega lá em casa com um vinho e o violão. Toca pra mim: “Quando a gente conversa Contando casos, besteiras Tanta coisa em comum Deixando escapar segredos”. Ouço-a inteira sem desviar meus olhos dos dele. Prometi não fugir mais. Ele termina a música e me rouba um beijo. “Beijo: quando um não quer o outro não rouba”. Palavras não eram mais necessárias. Ficamos abraçados até escurecer. No escuro, juntos, até amanhecer.

.

.

*Since I’ve Been Loving You – Led Zeppelin

.


Quando eu me chamar saudade

.

gosto quando os minutos e as horas transcorrem como numa alucinação.

não é isso que acontece agora.

.

Cansei de ficar lá dentro. Cansei de ficar no carro. Cansei até de ficar no boteco que fica em frente. Já ouvi a história da Ingrid e do Fernandinho. Já tentei ler sobre as sombras. Já as senti. Sentada num murinho de concreto do estacionamento, eu tento distrair quem está esperando comigo. Mas não consigo deixar de perceber cada rosto triste que sai de lá. Mesmo que eles saiam sorrindo. Tudo que vejo ali é tão pesado. Tenho abraços e mãos dadas. Tenho tudo. Mas, agora, nada. Eu quero notícias. Ou o poder de trocar de lugar com ele. Ou a certeza de que tudo vai ficar bem.

.

Ele me disse, chorando, que estava com medo. Pediu que eu não contasse a ninguém. Confidenciou que fala comigo por saber que sou forte. E me pediu para segurar as pontas de todo mundo.

.

Na hora do eletro, a moça pediu que ele esvaziasse os bolsos, tirasse relógio e tudo mais que pudesse interferir no exame. Junto com a carteira e o celular, em um dos bolsos, estava um terço.

– Desde quando você carrega um terço?

– Encontrei hoje, na hora do almoço, no quarto que a mamãe ficava. Deve ter caído, quando tiramos as coisas dela. Como estou cheio de problemas na empresa, eu o peguei e pensei: vou levá-lo para o escritório, assim minha mãe me protege e me ilumina. Guardei o terço e, antes de voltar pro trabalho, aconteceu o que aconteceu e vim parar aqui.

Alguém rangeu algo entre os dentes, insinuando que o terço estava amaldiçoado ou coisa assim.

Mas eu sei que não há “uruca”. Eu sei o que ela queria. Eu sei.

.

Ainda não chorei. Ainda não gritei. A angústia está, aqui, entalada. E quando eu achei que poderia respirar, preciso ser mais forte do que imagino.

Mais alguém precisa de mim.

.

Não para de chegar gente. Todos torcendo por ele e se emocionando.

É bonito tanto bem querer. Apesar de triste, pelo momento.

.

“aquela fé dos que ainda podem contar os anos nos dedos das mãos” deu lugar a

“olhos de névoa e de perda sempre olhando pra trás”

 

.


These Words I Write Keep Me From Total Madness*

.

Escrevo porque sinto, porque leio, porque observo. Porque tenho opinião. Porque vivo e tenho histórias para contar. Porque os pensamentos não conseguem ficar quietos na minha cabeça, e nem sempre se organizam sozinhos aqui dentro. Preciso colocá-los pra fora e, só aí, eles vão tomando forma, corpo. Ganham vida. Alguns morrem, depois, dentro de mim. Outros não. Mas, nas palavras, todos ficam imortalizados.

Escrevo para não enlouquecer. Escrevo porque nunca consegui fazer terapia. Escrevo porque tem coisas que não conto nem pra mim mesma, mas usando um personagem e uma terceira pessoa por que não?

Escrevo porque gritar já não adianta. Escrevo para desabafar. Escrevo porque sonho. Escrevo porque fantasio. Escrevo porque quero mais. E mais.

Não escrevo para mandar recados, nem indiretas. Escrevo pra mim. Mesmo que eu esteja escrevendo para alguém.

Escrevo porque tem coisas que eu queria falar e não consigo. Que eu sinto e não admito. Que eu quero e ainda não sei. E, quando eu leio a bagunça do primeiro rascunho, tudo fica mais claro. Ou não.

Escrevo porque tem dias que a criatividade ou uma inspiração impulsiva me invadem e alguns textos pedem para existir.

Escrevo porque perverto o que ouço, o que vivo.

Escrevo também para me desafiar. Gosto de ideias que não nascem prontas.

Escrevo para eternizar um sentimento, como uma foto faz com um momento. E para rir de mim mesma quando eu, lá na frente, voltar, reler meus textos e [re]lembrar.

.

* Charles Bukowski

.

Aceitei o convite, a cachaça, a cerveja e a coca-cola do Mayer. Brindo a ele, com ele e com:

Ana Marques

Felipe Carriço

Paulo Fodra

Rodolfo Lima

.

 


das trocas que fiz

.

A ideia desse post surgiu do blog da Mariah. Não é meme, nem selinho. Eu me identifiquei com algumas trocas que ela mencionou e acrescentei outras.

.

televisão por livros

baladas por receber amigos em casa

pseudo estabilidade por paz de espírito

o muito pelo melhor

ausência pela presença

indiferença pela atitude

prometer por fazer

muitos conhecidos por poucos amigos

medo por resiliência

o ter pelo ser

falsas certezas por possibilidades

a força pelo jeito

entrelinhas por tudo às claras

saudade pela estrada

a preguiça pela vontade

a mágoa pela chance

qualquer promessa por um bom papo

a fuga pelo entendimento

calar pelo falar

aceitação pela separação

alguns “dinheiros” por sapatos

ser certinha e politicamente correta por ser errada, autêntica e politicamente incorreta

açúcar por adoçante

tarde pelo o quanto antes

cautela por conquistas

sapos por borboletas

aperto no peito por suspiros

‘…’ por “…”

casa por apartamento

pudor pelo pecado

bonitinho pelo perverso

.


jeans

.

Sim, prefiro viver sem você, quero que vá embora. Eu me faço de forte e, fraca, te evito. Preciso te manter longe. O perto é estonteante. Perto, fico só na teoria. Você me sufoca, não te quero mais. A decisão funcionaria se eu não te visse.

Você diz saber o que eu quero e acredita que, no fundo, não é que você se afaste. Isso só me irrita mais. Porque é. E você não quer saber. Finge não entender. E eu? Eu sei. Mas só quando estou longe de você.

Se eu te escrevesse, daria certo. Selaria a carta e pronto. Só que quando você se aproxima de mim, as vontades se caldeiam. A pele fala mais alto que a razão. E eu esqueço tudo.

.

Não resisto ao seu olhar perdido em meus lábios, enquanto tento te dizer não.

.

E eis que, menos sábios do que antes
Os seus lábios ofegantes
Hão de se entregar assim:
Me leve até o fim

.


Vulgo Pavão

.

– Qual música você acha que combina comigo?

– Hein?

– Todos tinham uma que você escolhia. Menos eu. Por quê?

– Ora, você era meu chefe… e você nunca gostou de brincadeiras.

– Mas você podia. Não sabia? Não se preocupe, vamos ter muito tempo. Eu me separei.

– Oh, que pena. Sinto muito. E como você está?

– Estou muito bem! Sente por quê? Agora a gente pode ficar junto!

– Hã?!

– Lembra o dia em que você pediu demissão?

– Unrun.

– Você ter saído da sala sorrindo e eu aos prantos me persegue até hoje. Perdi a moral, mas foi ali que eu percebi que te amava.

– Por eu ter te feito chorar?

– Não, por perceber que você me entendia. Você me tocou. Não percebeu? E agora você pode me amar também!

– Ah! Posso é? Er…. obrigada?

.


Faltam o sobrado e o casarão. Evidências secretas da nossa loucura.

.

Esse lugar fica um pouco depois do meio do caminho. ‘Lembra que onde tem muito caminhão parado é sinal que a comida é boa?’. Não sei quem nos disse isso. Mas é claro que ele brincou com os sentidos literal e figurado de comida e o assunto desviou. Até porque, ali existem duas casas. Juntinhas, como se fossem uma só. Mas não são. Uma é o restaurante e a outra o puteiro. São idênticas. Sem placas. Sem movimento do lado de fora, a não ser pelos caminhões. Brincando, paramos lá duas vezes. Crianças já adultas se desafiando: quem entraria e tentaria achar a porta certa?

.


Algumas coisas sobre mim…

.

1) Sou calorenta. Fugiria fácil para as “montanhas nevadas”;

2) Sou orgulhosa. [não no sentido de amor-próprio demasiado ou soberba e sim no sentido de dignidade pessoal, brio]

3) Sou manhosa;

4) Sou teimosa;

5) Sou meio bravinha / meio esquentadinha;

6) Gosto de espaço – do nosso, juntos; dos nossos, separados – prezo muito o meu e respeito o seu.

.


Aquelas fotos trazem de volta os sentidos que eu perdi

.

Começou a chover. Nenhuma alternativa seria boa. Você não deveria estar aqui. É bom conseguirmos continuar amigos, mas não tão próximos. Não quando ainda existe o lance de pele.

Veio-me a lembrança da última vez que chegamos juntos em casa. E de tudo que fizemos, juntos. Eu não queria, mas você insistiu que eu fosse dormir, afinal já estava tarde e você estava com sono. Você e não eu. Você achava que deveríamos fazer tudo na mesma hora. Grudados. Ter as mesmas vontades. Como se saciedade e desejo tivessem um padrão universal pré-estabelecido. Eu já nem discutia mais. Naquele dia, você reclamou que eu interagi demais na festa. Nos outros, que eu sorria demais. Queria que eu fosse previsível, impassível e, de preferência, imóvel. Depois de tanto tentar explicar e me manter inteira, eu cansei. Pedi ajuda. Você continuou criticando, tentando me anular. Queria pensar e decidir por mim. Queria que eu fosse metade. Uma metade para você usar e completar o seu vazio. Seu exercício preferido era colocar palavras na minha boca. Você manipulou. Por me conhecer, jogava com meus pontos fracos. E eu deixei, o pior é isso. Não existem culpados, nem vítimas. Houve permissões demais.

.

“O tempo passou pra nós dois… O amor de antes fica pra depois… o sentimento cai da cama…”

.


Cantarolando lembranças

.

Pensei ter esquecido como é bom ir a um show com você. A emoção pueril. A agitação da véspera. O desejo de estar lá. Entusiasmo. Brilho nos olhos. A chegada. Entrar correndo, de mãos dadas.

Sensações e sentidos aguçados.

As luzes se apagam. Sinto o corpo arrepiar. Você me abraça, encaixa seu queixo no meu ombro, suas mãos envolvem minha cintura. O show começa. Enlouquecidos, dançamos, pulamos, gritamos, cantamos. Juntos.

Éramos só você e eu. Como sempre.

Só nós dois, naquele estádio imenso. Sua respiração quente na minha nuca. Como nunca.

“Somos apenas amigos”, “Somos apenas amigos”… eu repetia sem parar… Até a hora do beijo.

.

Off on your way, hit the open road
There is magic at your fingers
For the spirit ever lingers
Undemanding contact in your happy solitude
[The Spirit Of Radio – Rush]

.

I don’t have faith in faith
I don’t believe in belief
You can call me faithless
I still cling to hope
And I believe in love
And that’s faith enough for me
[Faithless – Rush]

.


Certeza doída

.

Eu tinha medo de admitir que sentia medo. De admitir que o medo me prendia. A você. A nós. Se ainda havia amor? Sim. O de bem querer. E eu queria o amor de amar. Como se fosse pecado, não me permitia perceber. A falta que me alertava era a mesma que me paralisava. E se eu te perdesse? E se a falta aumentasse?

Mas e se a falta – de atitude – acabasse matando a gente?

.

De todas as maneiras que há de amar
Nós já nos amamos
Com todas as palavras feitas pra sangrar
Já nos cortamos
Agora já passa da hora, tá lindo lá fora
Larga a minha mão, solta as unhas do meu coração
Que ele está apressado
E desanda a bater desvairado

[De todas as maneiras – Chico]

.

Sim, eu te amei de todas as formas. Hoje ainda amo, é um amor diferente. E, por amar, por amor, sabia que merecíamos mais. Que podíamos mais. Nossa história? Não, ela não morreu. Ela é parte de mim. De você. Da gente. E, para não nos perdemos, foi preciso partir. Hoje sei que seremos eu e você, pra sempre, leais a nós mesmos e a vida que tivemos juntos.

.

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente…
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.

Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

[Todo o sentimento – Chico]

.

A certeza, por ser doída, às vezes, faz-se dúvida. Confunde os sentimentos. Mesmo sabendo que nem tudo se separa, que nem tudo se foi, a gente sangra. Para não manchar as lembranças felizes, a falta faz-se partida. E deixa uma outra certeza não menos doída: a do amor.

.

[Eu te amo – Chico]

.


Será?

.

Como ele viajou a trabalho, ela iria quase metade do caminho sozinha, até uma cidade de raízes familiares e de muitos amigos, onde o encontraria e, dali, continuariam a viagem, juntos.

Até chegar lá, ela não precisaria pensar em voz alta ou se preocupar se o fizesse. Ouviria apenas a estrada, seus desejos e instintos, o vento e as músicas especialmente selecionadas. Os nomes, não tão randômicos assim, no visor, seriam sua companhia.

A longa estrada que se abria à frente clareava sua mente, acalmava suas aflições. Entre as idéias que a invadiam, a de que, em breve, ela teria uma belezoca como a que acabou de passar zunindo e, então, não seria mais uma espectadora, poderia se misturar à paisagem. Talvez corresse mais, mas, ainda assim, numa velocidade pequena se comparada à sede e fome do querer. Pensou também no fantasma querido que reapareceu. Em política. No trabalho. Nas relações vivas. Em como as prioridades mudam. No estúdio, na música dedicada. No alto do alto do morro mais alto. Nas decisões das últimas semanas. No que ainda precisava definir. Nas novas pessoas que entraram em sua vida. No curso que começou. No pedido que aceitou. No anel que recusou. Se voltaria a dar aulas ou não. Na fazenda… hum… droga!… lembrou-se que esqueceu de levar o livro do ‘diabo da garrafa’… lá se foi a aposta! Pensou também nas brigas que a cercam e no seu ‘papel’ de mediadora. Nas ligações e mensagens. Na grande amiga que está indo ver; na de Londres e na da Itália, que ela visitará no ano que vem. Até que a música mudou. Ela se lembrou de alguém e vontades, que ela não sabia que existiam, gritaram. Entre coincidências e associações sem nexo, logo, vários ‘alguéns’ começaram a dançar dentro da sua cabeça, sem disputar atenção.

Em meio a saudades e planos, brincou de futuro sem perceber. Sorriu, bem gostoso. Pelos desejos que, um dia, lançou ao vento e que, hoje, ele trazia de volta. Pela bagunça do cabelo revoado que quase atrapalhava sua visão. Por sentir a lufada forte no rosto.

Quase chegando, parou num lugar novo que sempre quis conhecer. Tomou um café e ficou hipnotizada com o movimento das luzes, do céu e dos carros. Já era noite. A primeira parte estava perto do fim e, só agora, ela se deu conta de que, entre as mil coisas que devaneou e filosofou, só não pensou em quem a esperava; não sentiu a saudade que ‘deveria’; ainda não tinham uma música; e que não queria chegar…

.


Sinônimo sem sentido

.

Eu brinquei com o perigo, sobre a linha, sem considerar o luar. Era lua cheia. Ele se vestiu em mim e me levou. Eu não percebi. Ou não quis perceber. Os pensamentos, agora, estão obsessos. Eu, inquieta. Algo grita aqui dentro. Eu, que sempre procuro entender, compreendi. Um ser pensante, ébrio e não alienado mora aqui. Por mais que sonhe, por mais que rechace, ainda sente a realidade corroendo. No fundo, eu sabia. A cabeça fervilha, dói. Colapso. Mente e pele quentes. Eu não sinto. Eu quero. Eu sinto. Eu não quero. Falência do juízo, da negação, do personagem. Sem máscaras, sem filtros. Descompasso desconcertado de sensações, ao pulsar num compasso só. Posso até ouvir. Ah… a música. Não, não posso. Não ouço. Por que ela insiste em tocar dentro de mim? Sempre fui boa em fugas, menos nessa. Por quê?  Só sei que o errado não me assusta.

.

These Words I Write Keep Me From Total Madness #Buk

.


Tão nosso

.

Alguns momentos são tão ansiados que dão até medo. De que percam a especialidade, quando acontecerem. De que o sonho, ao tornar-se realidade, perca o encanto.

Mas eis que a hora chega. Mãos suadas, coração acelerado, leve tremedeira… daquela que sentimos por dentro, sem sentir frio. Na verdade, o que invade é um calor que vai subindo, subindo… bochechas carmins, sinto-me corada, quente. Denúncia em todos os sentidos. Tento disfarçar, com minha cara bravinha. Mas é em vão. Bato o pezinho, agitada. Mordisco os lábios.

Com o tempo, conversa, música… a tensão vai embora… o corpo só não se acalma porque o nervosismo dá lugar ao desejo. E esse também queima. É como um sopro que inflama a brasa.

E mesmo que nada aconteça como imaginado [aliás, expectativas deveriam ser engarrafadas] tudo será especial. Cada toque será verdadeiro. Cada troca tímida e cúmplice de olhares. Cada sorriso.

A magia e o romance não se quebram, tornam-se reais. E a vontade sai do papel. Toma forma, gosto. O cheiro fica, em nós, impregnado. E, junto com ele, agarrado a meu corpo, levo as lembranças. Só nossas.

Como descrever? Impossível, talvez. Ainda não inventaram palavras para algo tão… tão… tão nosso!

.

Addicted To Love – Robert Palmer

.


Cristais

.

Surgiu a vontade de tirá-los dali, jogar as caixas fora. Deixá-los expostos.
Guardar para quê? Por que não sentir o toque aveludado nos lábios? Por que não saborear cada bebida, de forma diferente? Por que não?
Porque são frágeis; algumas pessoas não serão cuidadosas e eles se quebrarão, você os perderá; diziam.
Ao deixá-los encaixotados, se vive mais, melhor? Não. De que adianta, então, tê-los, ali, ao alcance das mãos e não poder usufruir?

Esse é o meu momento. É o nosso agora.

…e a pretensa vulnerabilidade dos sentimentos [retraídos] está, enfim, livre…

.


e-trapèze

.

Algo me atrai [em] [para] você.

.

As palavras. Sozinhas, desconexas. Com o tempo, o contexto. O todo. Entretida, não percebi as entrelinhas. Começo errado? E isso importa? Aliás, o que importa?

Depois, as letras … ah … eu me deixo levar … mas, não! … o ponto não é esse! Não é um livro, uma música, apenas um desejo. Nada disso define. Nada explica. É mais!

Vontade diferente. [arrebatadora]
Há tanto bem-querer. Sem porquês, sem porquê. Simplesmente é e pronto. Aconteceu. Sem que você fizesse força para me agradar e sem que eu percebesse.
.

Cumplicidade. Lealdade. É disso que gosto.

…………………………………………………………………………………..Tudo e nada, compartilhados.
………………………………………………………………………………………………………..Sem máscaras,
………………………………………………………………………………………………..sem meias verdades,
………………………………………………………………………………………………….sem meias palavras.
……………………………………………………………………………………………..Sem julgar. Sem culpas.

Quero te ouvir. Ver o seu lado machucado. Não, não vou te curar. Você não precisa. Quero que saiba da beleza que está aí. Sim, todos falam. Mas você, no fundo, não sabe.

.

…………….Gosto do que não é visto. Gosto do certo, na hora errada. Do errado, na hora certa.

…………………………………Quero o ‘tudo errado’ e, mesmo assim, sentir que é certo.

.

…………….Gosto das madrugadas, também de dia.
………………………………………………………………………………..Quero ser presença, na sua ausência.
…………………………………………………………………………………………….Quero ser o que não tem.
……………………………………………………………………………………………Quero dar o que não pede.
.

Posso te proteger? Eu sei, eu sei que você não precisa. Mas tem algo… eu sinto! Perde o medo, perde? Quero te mostrar o cuidado, a atenção, o carinho; sem querer recompensa. Sem querer seu corpo em troca.

…………….Nem todo interesse é sensual, carnal, romântico ou platônico.

Não é por isso que te busco.

.

Quero sua verdade rasgada. A que você esconde. A que não sabe que existe. Quero sua forma crua, nua, despudorada. E isso não significa que eu queira te ter.

Aqui, não cabe cama, nem amor ou desejo lascivos. Eles, agora, nesse caso, não importam.

.

…………….Não quero entender. E isso, vindo de mim, é totalmente inusitado, acredite!

Quero ver, quero ir. Além.

…………….Vício? Não sei. Querer, eu quero. Mas não preciso. E não me engano: esse querer é meu.

.

.

.

Ao escrever, misturei sentimentos e pessoas. Ou eles, sozinhos, quiseram entrar e eu deixei.
Comecei pensando em você… mas me perdi. E foi bom.
Sendo você quem é, vai entender.
Juntei sensações, apenas aqui. Fora, sei bem qual é de quem.

.

Vitoriosa – Ivan Lins